Entrevista comigo sobre o processo de escrita (2013)

20 June 2013

Photo in Lisbon used on the British cover of The Night Watchman.jpg

A entrevista foi realizada pelo jornalista Rafael Ferreira no dia 11 de Maio de 2013. 


Rafel Ferreira [RF] Richard, de onde surgiu o ofício da escrita …
Richard Zimler [RZ] o meu interesse na escrita aconteceu porque tive a sorte de nascer num ambiente de livros, a minha mãe adorava ler, gostava da literatura, de todos os países …. Literatura, francesa, italiana, inglesa, americana … também lia muitas biografias, especialmente do grupo Bloomsbury - VirginiaWoolf, Lytton Strachey, etç… O meu pai também gostava muito de ler, os temas eram diferentes, livros de ciência, livros policiais. Para mim foi muito importante ter crescido rodeado de uma paisagem de livros. Para qualquer leitor ou escritor o livro como objecto é muito importante. Desde muito cedo tive acesso a obras de autores clássicos, por exemplo, Jane Austen, Dostoiévski, Stendhal, etç. Sempre tive uma grande reverência por grandes escritores … William Faulkner, Proust, Tolstoy. Para a minha Mãe ser bom escritor era muito mais importante do que ser presidente ou primeiro-ministro. Quando era jovem comecei a escrever, como acontece com muitas crianças …. Inicialmente pequenos poemas sobre animais … gostava muito de banda desenhada, depois comecei a ler contos da mitologia grega, da mitologia nórdica. Aproximadamente com 11 / 12 anos já lia romances. Sempre gostei de escrever, embora não pensasse que poderia vir a ser escritor. Na altura, como a maioria das crianças desejava ser jogador de “baseball" ou basketball. Apenas com a idade de 24 / 25 anos considerei a hipótese de ser jornalista, regressei à Universidade de Stanford onde fiz Mestrado em Jornalismo. A intenção inicial era ter alguma familiaridade com as técnicas de escrita, como se cria ritmo, depois, também as técnicas da prosa e poesia. Em 1982, tinha 26 anos, fiz jornalismo em San Francisco durante 8 anos. Em 1987 comecei a escrever ficção, sobretudo contos - escrever romances parecia ir muito além das minhas possibilidades, os contos - aproximadamente 40 – foram depois publicados nos E.U.A e Inglaterra. Nessa época eu comecei a conquistar maior confiança porque um dos meus dramas era duvidar muito das minhas capacidades. De certa forma, o Jornalismo, os contos, foram muito importantes para mim e comecei e pensar que mais tarde poderia ser capaz de iniciar a escrever um romance.
RF]: O Último Cabalista de Lisboa …
RZ] É verdade. Fiz um ano de pesquisa e comecei a escrever. É sempre um enorme risco. Nunca poderemos saber [antecipadamente] se poderemos vir a ser escritores. Admito que possam existir pessoas que sintam ou saibam que um dia mais tarde serão escritores, “escritores natos” …. Comigo não sucedeu assim… Eu sabia que gostava de escrever, era uma paixão, uma grande aventura. Apenas com tempo comecei a compreender que escrever era aquilo que eu realmente gostaria de fazer.
RF] Em que medida o Curso de Religiões Comparadas foi útil para escrever o “ O Último Cabalista de Lisboa” ?
RZ] Foi muito importante. Ofereceu-me a possibilidade de compreender muito sobre as tradições místicas e religiosas, incluindo a tradição judaica. Descobri a Cabala realizando pesquisa para este livro A ideia original não incluía esta faceta, eu não tinha conhecimento acerca do ramo místico do Judaismo. Mais uma vez, os livros de minha Mãe foram extremamente úteis.
Iniciei as leituras de Gershom Scholem [G.S], uma pessoa magnífica, em grande parte devemos a G.S. a “redescoberta” da Cabala. Antes a tradição da Cabala estava quase desaparecida, era considerado um assunto pouco importante, uma tradição estranha, que tinha pouco a ver com o Judaismo Ortodoxo. Graças a Scholem, uma pessoa que tinha um grande talento para explicar de uma forma compreensível assuntos que são extremamente complexos, sem necessariamente recorrer à simplificação, comecei a fazer pesquisas sobre a explicação de temas esotéricos, o Zohar, o Bahir … Depois de ter o contexto, o “pano de fundo” do livro, eu tinha a linguagem, o vocabulário, os conceitos e a confiança [que outra vez] foi muito importante, porque apenas quando profundamente estudamos um assunto podemos adquiri a confiança para escrever. Apesar da minha origem familiar ser de tradição judaica, as minhas raízes eram laicas. O meu pai era comunista, uma pessoa que acreditava no célebre ditado de Marx que “a religião era o ópio do povo” e a minha mãe era bioquímica que embora festejasse os feriados religiosos não era uma pessoa profundamente religiosa.
RF] Estranhamente a publicação do livro foi extraordinariamente difícil.
RZ] Sim… foi um período horrível. O livro foi escrito originalmente em inglês, claro. Apesar de eu ter um agente literário interessado (o que era óptimo porque nos E.U.A sem agente intermediário é quase impossível fazer chegar um manuscrito a um editor) que durante 2 anos enviou exemplares para 24 editoras o livro [“O Último Cabalista de Lisboa] mas foi sempre rejeitado. Diziam que era um livro fascinante, as personagens eram excelentes, que a história fantástica mas as respostas foram sempre negativas. Achavam que o livro não vendia, que uma história que decorria em 1506, em Portugal [Lisboa], não tinha possibilidades de ter muitos leitores nos E.U.A. Estava desesperado… um ano de escrita, dois anos de pesquisa, dois anos a aguarda para receber 24 respostas negativas, cinco anos da minha vida … Estava muito deprimido … A ideia de enviar o livro para uma editora portuguesa surge depois... Evidentemente que cada livro que escrevemos é um enorme risco.
RF] No acto da escrita quando é que o Richard sente ou decide que o livro que está escrever está terminado? Quando chega ao leitor [obra aberta]?•
RZ] Por um lado, chegamos a um ponto em que dizemos … bom, poderei continuar a escrever durante mais dez anos, a aperfeiçoar cada frase, cada ideia. É o reconhecimento das minhas limitações com ser humano. Depois penso que poderia gastar mais um ano a escrever mas mudanças que se fazem no livro, por vezes, não são substancialmente melhores, inclusive pode-se “estragar”. A obra está sempre “inacabada”, apenas o tempo pode ajudar o autor a compreender quando é o momento em que ele acha que o livro está finalizado, ou seja, quando o livro pode ter a sua vida.
RF] Acontece frequentemente … o autor aguardar que o trabalho / mérito da obra seja reconhecido …
RZ] Sim, mas actualmente a situação é um pouco diferente. Por um lado, devido à internet os escritores têm mais possibilidades de editarem livros. Cada vez mais existem pessoas a criarem edições de autor [em publicação digital também] ao contrário de outras épocas onde fazer uma edição de autor era encarado como sendo uma ideia um pouco “estranha”, era muito menos frequente… Por outro lado, publicar um livro é mais difícil, as editoras estão a tornar-se cada vez mais comerciais. A crise teve o efeito de tornar os editores mais mercenários. A qualidade do livro não é o critério mais importante, o que interessa é o tema, o assunto: por exemplo, em determinado altura, o que estava na moda eram histórias sobre vampiros ou, acerca de conspirações sobre o Vaticano. Muitas vezes a qualidade dos livros não é nenhuma mas importa vender. Existem editoras, em todos os países que estão a tentar resistir mas é muito frequente os escritores enviarem os manuscritos e a resposta ser: é um livro excelente, mas não podemos publicar porque não existe público, não está na moda. Para muitas editoras a questão fundamental é quanto mais superficial o livro melhor, algo que as pessoas possam ler na praia entre o pequeno-almoço, o almoço ou o jantar. RF] As motivações que levam o Richard a continua a escrever são … RZ] As minhas motivações para escrever são quase sempre as mesmas. Estar apaixonado ou fascinado por uma ideia, um período histórico, uma imagem, uma personagem. A minha investigação para o livro [UC de Lisboa] durou aproximadamente um ano, li, aproximadamente 30 textos sobre o século. XVI e sobre todos os assuntos que me davam uma perspectiva da sociedade da época, sobre as ruas, as casas, a roupa, a comida, os costumes. Depois começava a retirar apontamentos, evidentemente eu não estava a escrever uma enciclopédia, 99 por cento da minha pesquisa que efectuei não foi possível aproveitar. Actualmente acho que era um processo muito pouco eficiente mas tudo bem… não estou arrependido. Hoje utilizo um processo diferente, por exemplo, na minha pesquisa para “Anagramas de Varsóvia” a internet ajudou-me bastante, fiz as entradas das palavras-chave para obter uma lista de livros que pretendia, as listas de pedidos sobre o período específico que pretendia. Depois realizei 6 meses de pesquisa sobre a Polónia, sobre o gueto de Varsóvia, tive de adquirir mapas da cidade, das estradas, das localizações das casas, visitei os locais…•
Felizmente tenho uma excelente memória, provavelmente não sou tão organizado quanto devia ser mas leio muitos livros, sublinho muitas páginas, escrevo apontamentos sobre os factos que eu considero importantes e conto com a minha memória para colocar tudo numa ordem para começar a escrever. Quando encontro uma lacuna, existem sempre, tento descobrir a resposta … Por exemplo, em Anagramas de Varsóvia existe uma cena onde Eric [o narrador] espera o sobrinho frente uma escola. Eu não sabia se realmente havia escolas no gueto, como eram. Se eram clandestinas, se haviam sido construídas por polacos, por alemães… Eu tive que obter as informações exactas … Descobri que no gueto de Varsóvia havia escolas, coros, concertos, peças de teatro…
RF] Depois a importância das personagens …
RZ] As personagens são absolutamente determinantes para o desenvolvimento do enredo mas acho que sou mais um escritor de personagens, mais importante que a própria história importa-me a história das personagens, de Abraão Zarco, de Berequias, de Farid … Entre as linhas eu desejo falar sobre todos os assuntos importantes, não me posso limitar a escrever sobre qualquer tipo de assunto, quero falar da amizade, solidariedade, tolerância [ou falta de tolerância], de religião, de exclusão, sexo, amor, marginalidade. Achei que todos estes temas tinham que estar presentes no livro, os judeus eram uma minoria que foram alvo de um progrom, um massacre anti-semita. Além do tema da Cabala e da importância histórica do massacre que ocorreu em Lisboa em 1506 foi ter percebido que em Portugal quase ninguém falava sobre o assunto, de um crime horrível contra a humanidade. A minha paixão é escrever sobre afectos, de assuntos importantes, especialmente sobre as pessoas esquecidas, no caso 2 mil judeus / “cristãos novos” que foram queimados no Rossio em 1506.•
Senti uma absoluta necessidade de ser fiel à história das pessoas que morreram, também uma grande responsabilidade de estar a contar uma história sobre uma época tão importante, de poder criar uma história que era fascinante para mim mas sobretudo achava importante ter os registos históricos dos acontecimentos correctos e ser absolutamente fiel no tratamento dos factos. Não sei se orgulho será a palavra certa mas sinto que fiz alguma coisa positiva, actualmente existe um memorial às pessoas que faleceram no massacre em frente à Igreja de S. Domingos em Lisboa. Se não tivesse escrito o livro duvido que o memorial existisse. De certa forma, acho que contribui de alguma forma para a História Portuguesa e ter dado a conhecer a mais pessoa um episódio trágico que marcou a História de Portugal.•
RF] Os temas que estiveram na origem dos primeiros romances que escreveu poderão continuar a fazer parte dos projectos de escrita futuros ?
RZ] É difícil responder. Existem temas ou questões centrais que surgem nos meus livros, os temas da solidariedade, da crueldade, a violência física, sobre como uma pessoa vive e ultrapassa [ou não] as questões relacionadas com a violência física é uma grande questão. Eu poderei continuar a escrever sobre a história judaica mas não sinto nenhum tipo de obsessão. No livro “ A Ilha de Teresa” quase não havia nenhumas referências ao judaísmo, é a história de uma jovem portuguesa que emigra para os E.U.A. Haverá temas que poderão permanecer, alguns menos importantes não estarem tão evidentes e outros que serão completamente novos. No livro que terminei de escrever quis falar sobre a crise que vivemos em Portugal. A verdade é que escrevo sempre sobre situações políticas e sociais mas tratando-se de um romance contemporâneo em uma textura diferente de outros que escrevi.
RF] A questão da diferença é uma questão central nas suas obras.
RZ] É um assunto muito pessoal, sou judeu, sou homossexual, sou um “americano em Portugal” portanto, para mim, é quase impossível eu não falar da diferença, da igualdade. Eu não sou santo mas dada a minha natureza estou sempre do lado das pessoas mais frágeis. Os primeiros-ministros do mundo, os presidentes, os banqueiros não precisam de mim. Eles têm muita gente que irão certamente querer escrever “as suas histórias”, que vão querer ser os “cheuffeurs” deles, os seus pontos de vista. Não estou a fazer uma crítica mas a verdade é que têm. Quem precisa de mim são as pessoas mais frágeis, faz parte do meu ser, quando vejo uma pessoa numa situação de fragilidade eu vejo, sinto a sua condição. RF] Os temas que estiveram na origem dos primeiros romances que escreveu poderão continuar a fazer parte dos projectos de escrita futuros? RZ] É difícil responder … Existem temas ou questões centrais que surgem sempre nos meus livros, os temas da solidariedade, da crueldade, a violência física [AV], para mim como uma pessoa vive e ultrapassa [ou não] as questões relacionadas com a violência física é uma grande questão. Eu poderei continuar a escrever sobre a história judaica mas não sinto nenhuma obsessão… No livro “ A Ilha de Teresa” quase não havia referências ao judaísmo, é uma jovem portuguesa que emigra para os E.U.A. Acho que estou a evoluir como escritor, certamente haverá temas e ideias que poderão permanecer, alguns menos importantes não estarem tão evidentes e outros que serão completamente novos. No livro que terminei de escrever quis falar sobre a crise em Portugal (entre as linhas de uma história]. Não sei se isso é abordar um assunto diferente, a verdade é que escrevo sempre sobre situações políticas e sociais mas sendo um romance contemporâneo o livro tem uma textura diferente de outros que escrevi, especialmente porque é um romance muito actual. Para mim é um desafio diferente. RF] O tempo histórico actual transporta muitas inquietações … RZ] Para qualquer romancista este período histórico que atravessamos é extremamente interessante. Portugal vive numa democracia há 39 anos, fez um progresso magnífico em determinadas áreas, na questão da liberdade das mulheres, dos homossexuais, das pessoas com deficiência, por outro lado, estamos a viver tempos muito difíceis, de uma falta de confiança no país, uma altura em que os jovens vão começar a emigra outra vez, as pessoas estão muito deprimidas.
RF] Em todas as áreas estamos a ter implicações dramáticas …
RZ] Sem dúvidas que haverá implicações dramáticas. Para as pessoas que estão a emigrar não é uma tragédia, por exemplo, se emigrarem e conquistarem mais capacidades na Suíça, na Suécia, no Brasil durante um ano, dois anos, toda a vida, sinceramente não é a questão mais grave. Ninguém disse que a vida ia ser fácil. Mas certamente vai ter consequências… é um desastre para o país. O que estamos a atravessar vai mudar Portugal, sobre isso não existem dúvidas, a questão é .. quanto mais tempo durar a crise psicológica e económica mais tempo e mais graves consequências sobre a sociedade portuguesa haverão de existir. Se tivéssemos um governo diferente, poderíamos suavizar o efeito devastador que a crise está a ter sobre o país. Na minha opinião, o governo está a acentuar o efeito devastador da crise, amplifica o efeito devastador que está a ter sobre todo o país.
RF] Qual a capacidade de Portugal de poder exercer influência internacionalmente para serem atenuados os efeitos devastadores? É uma crise muito global …
RZ] Sim. É uma crise muito europeia … O meu receio é que eu penso que a crise actual vai ter um efeito psicológico muito maior sobre Portugal, não sou capaz de dizer porquê …. Mas vendo as manifestações que assistimos em outros países, em Espanha, Grécia, etç. Acho que esses povos têm mais resistências psicológicas, não sei … Além dos efeitos económicos a crise vai ter em termos psicológicos efeitos absolutamente devastadores, quanto mais durar a crise económica e psicológica será muito pior.
RF] Existem pessoas que advogam que é melhor quando tudo está pior , que será melhor bater no fundo, para tudo recomeçar... mas claro, a democracia diz-nos que as soluções devem ser encontradas dentro das soluções parlamentares, o problema é que existe a dúvida legítima se estaremos a viver numa sociedade realmente aberta …
RZ] Será muito difícil a uma pessoa sensata, um jovem, as pessoas, acreditar neste governo, os escândalos de corrupção, de “amizades”. Depois não vejo nenhuma evidência solidariedade por parte do governo, nem com Cavaco Silva que diz que é preferível ficar quieto em silencio, que vai ter um papel mais importante de que um presidente que fala … É muito duvidoso um raciocínio deste tipo, eu não compreendo. No mínimo, devíamos ter um presidente que todos os dias mostrasse solidariedade com os portugueses, com as pessoas mais frágeis, mais vulneráveis, eu não vejo nada disso …
RF] Nas áreas do desemprego, saúde...
RZ] Cavaco não fala simplesmente desse tipo de assuntos, acho que confunde distância com ser estadista. Nelson Mandela foi um estadista … se fizéssemos uma comparação com Nelson Mandela e Cavaco Silva ou riamos ou chorávamos … no sentido de podermos expressar a nossa opinião eu acho que vivemos numa sociedade aberta, qualquer pessoa pode exprimir a sua opinião …
RF] Mas será ouvida?
RZ] Neste momento eu acho que não, o nosso governo ainda não aprendeu uma questão muito importante, em vez de realizarem uma aposta no conhecimento da tecnologia, na psicologia, na educação, na saúde, nas artes, estão a apostar na “esperteza”. Desse ponto de vista sou pessimista, não vejo este governo ter condições para mudar o rumo dos acontecimentos, por outro lado, sou optimista porque acredito que na capacidade dos portugueses redescobrirem ou retomarem o próprio destino.
RF] . De cumprir Portugal …
RZ] De cada pessoa reconquistar as capacidades individuais, o orgulho, a garra, a própria confiança. É muito difícil resistir mas teremos que apostar na nossa resistência...
RF] Nos livros que o Richard tem escrito a história não é abordada na perspectiva ou lado dos vencedores …
RZ] Posso imaginar um dia pesquisar sobre a vida de um Rei, poderá ser muito interessante. Shakespeare escreveu Hamlet, um príncipe devorado sobre questões existências … por enquanto ainda não aconteceu.
RF] Acha que um escritor tem uma responsabilidade social ou de intervenção acrescida dado que sobre aquilo que pretende dizer ou manifesta?
RZ] Sinceramente eu acho que não. A responsabilidade de um escritor é escrever bons livros. Depois, se o escritor está envolvido na sociedade claro que tem direito de expressão como cidadão. Não vou censurar a minha opinião por ser mais ou menos conhecido. Para mim é importante. Responsabilidade é uma palavra um pouco forte. Neste mundo actual, nesta crise portuguesa é importante que as pessoas que não concordam com o governo poderem falar, o povo português é um pouco depressivo, eu penso que é importante falarmos das nossas divergências, por exemplo, sairmos para a rua, acho importante.
RF] Houve alturas em que não era possível falar, não havia privacidade, liberdade de expressão, hoje pode ser tudo dito … mas será que somos ouvidos? Muitos problemas mantêm-se actuais, de forma diferente …
RZ] Sim … no entanto muitas coisas melhoram, por exemplo, actualmente ser mulher não significa obrigatoriamente ter de ficar em casa, não vivemos um tempo onde a mulher não pode ter uma conta bancária, não pode trabalhar, ter obrigatoriamente que ficar em casa, ter bebés, não … actualmente uma mulher pode ter uma vida sexualmente, espiritualmente e financeiramente independente, isso é óptimo. No ocidente, porque ser mulher, em certas zonas de África, nos países Árabes, na Arábia Saudita não é possível.
Sobretudo nos direitos da mulher houve uma grande evolução, sobretudo para as mulheres … Na verdade ainda existem muitos problemas no mundo, continuamos a ter discriminação, intolerância, crueldade, muita coisa já mudou … um dos grandes problemas que eu acho que Portugal tem é que as pessoas pensam que não têm influência [ou perderam] sobre a sociedade, o governo, influência poder na sociedade ou sobre a própria vida, falta de controlo sobre vida, se eu ficar em Portugal não vou ter emprego … acho que a crise que estamos a passar é porque as pessoa têm a sensação de falta de poder, uma falta de controlo sobre o destino da vida, acho que é por isso que muitas pessoas andam muito deprimidas. A sensação de perda de influência / poder sobre o próprio destino significa para qualquer pessoa ficar deprimida … eu posso fazer isto, aquilo, e aquilo mas não faz diferença, o meu destino está pré-determinado por outras pessoas … o destino está dependente de outras pessoas …
RF]: Kafkiano
RZ]: Sim. Em Portugal acho que estamos a viver uma depressão psicológica muito mais grave que a própria crise económica, numa crise económica podemos acreditar que é possível recuperar, pode demorar quatro, cinco anos mas podemos recuperar, quero acreditar, eu acredito … mas um depressão psicológica, um jovem sentir que não tem futuro …
RF]: Gerações …
RZ]: Gerações “perdidas”, a questão mais dramática …
RF] É difícil encontrar pistas para transformação da sociedade actualmente …
RZ]: É muito difícil, mais uma vez a importância do aspecto simbólico. Regressamos a Miguel Relvas [ao que representa], a mensagem que se transmite é que estudar não é importante, que o mérito não é importante, controlar o destino não é o importante …. O importante é ser “esperto”, ter “bons amigos” … qualquer jovem sensível vai ficar com essa mensagem, apenas com muita resistência, com muita a ajuda dos pais, das escolas, apenas assim, poderão ser capazes de conseguir ultrapassar as dificuldades que estamos a atravessar.
RF] Foi uma das razões que o levaram a estar na manifestação de 2 Março?
RZ] Sim, é muito importante haver um contra-poder em Portugal, pessoas a contestar e a manifestarem-se…. Pode haver um jovem em Porto, Lisboa, Beja e pensar… ele está lá… Temos que fazer alguma coisa, não ser apenas reactivos mas também agir …
RF] Quais os aspecto que a escrita pode ajudar o indivíduo na estruturação da personalidade, a compreender “o outro”, estabelecer de verdade um diálogo. Pode ajudar como catarse?
RZ] Para mim a escrita, em parte, é uma tentativa de eu me poder compreender a mim próprio, compreender aquilo que eu sinto, o que penso, o que valorizo, dizer entre as linhas o que acho importante, dizer isso às outras pessoas. É uma comunicação comigo e com o leitor. As pessoas podem não concordar, de qualquer forma estou a dizer o que eu acho importante. É uma comunicação entre mim e o leitor, estou a dizer o que para mim tem significado entre as linhas. Isto torna-me mais calmo.•
Eu acho que todos precisamos de ser ouvidos, quem não tem oportunidade de contar a sua história, nem aos pais, nem aos namorados, a ninguém fica num isolamento muito grande. Todos nós precisamos de contar a nossa história pelo menos uma vez a alguém que está realmente a ouvir, que não esteja a fingir.
Escrever torna-me uma pessoa mais calma, confiante, hoje em dia sou muito menos ambicioso, eu não tenho que ser o centro de atenção numa sala. Há certas pessoas que precisam sempre de um foco, eu já perdi isso … de facto, há muito escritores que precisam disso, não vou dizer nomes mas todos nós sabemos que é assim, e actores, políticos, advogados e políticos que não se sentem satisfeitos quando não são o centro das atenções... tenho pena, é uma forma de evolução pessoal, mas enfim …
RF] Há quem afirme que a ditadura de Salazar em Portugal foi pior que a de Franco, em Espanha houve uma guerra civil, muitos mortos, em Portugal foi criada uma sociedade de “mortos vivos” [inconsciente colectivo] ….
RZ] 240 anos de inquisição, o medo criado devido ao estado de terror em Portugal, na verdade ninguém podia falar da vida privado em público … muito mais tarde, 40 anos de ditadura, reforçaram a tendência.• Não é de espantar que o resultado ou produto da realidade seja um povo muito tímido, muito reticente e que muito dificilmente vai “acordar”, despertar.• Por um lado, estou a criticar mas compreendo, vivemos numa democracia, quando as coisas não estão a correr bem, existem poucas pessoas que poderão dizer que a situação não está a correr bem, a verdade é que estão a correr muito mal, acho que temos o dever de dizer, falar … não vai haver grandes represálias por uma pessoa exprimir a sua opinião … esta é a minha opinião. Falando enquanto romancista, como uma pessoa que avalia não apenas os factos mas também os aspectos mais difíceis de quantificar … Por exemplo, o “simbolismo” de Miguel Relvas *, o facto de continuar a ser um dos ministros mais importantes deste governo, aquilo que transmite às pessoas, sobretudo aos jovens, é que aquilo que mais é importante na vida não é estudar, ter orgulho na capacidade de conquistar conhecimentos profundos sobre um determinado assunto. Não é ser honesto, ou seja, vivemos num período de crise onde a mensagem que é transmitida é a inversa, onde o valor simbólicode tudo é transmitido, o que é importante, é “ser esperto”, ter amizades importantes para podermos “subir na vida”. No período de crise que vivemos é extremamente errado transmitir essa mensagem, na minha interpretação é péssimo, exactamente o contrário daquilo que o governo deveria dizer seria dizer aos jovens que a época que estamos a atravessar é um período extremamente competitivo, onde não há muita compaixão mas que o mais importante é estudar, aprofundar capacidades, esforçarem-se imenso para valorizar o mérito, a honestidade, a compaixão mas, em vez disso, a mensagem que é transmitida é exactamente a contrária. Independentemente da política do governo, o simbolismo é absolutamente abominável, não posso imaginar uma imagem pior, é uma hipocrisia.•
RF] Os exemplos são exactamente no sentido contrário … as questões sociais, a saúde, a educação, o desemprego … O Richard é especialista em análise de conteúdo …
RZ] Exactamente. É uma hipocrisia total. Infelizmente, hoje em dia, não existe jornalismo de investigação, estamos num período de tantos escândalos, de amizades. Embora mais do que nunca penso que seria importante existir um jornalismo de investigação, dinâmico, infelizmente, não temos. Não estou a criticar tanto os jornalistas porque há pessoas de integridade que gostariam de fazer isso mas a verdade é que isso simplesmente desapareceu devido a razoes económicas, custa muito dinheiro ter uma equipa a investigar sobre um assunto durante seis meses, um ano … actualmente, jornalismo de investigação quase não existe.

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* Miguel Relvas não é actualmente ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares após o pedido de demissão por si apresentado ter sido aceite por Pedro Passos Coelho, o primeiro ministro, a 4 de Abril 2013. * Nelson Mandela, o ex- Presidente da África do Sul, o símbolo da luta anti-apartheid [Prémio Nobel da Paz - 1993] actualmente com 94 anos de idade está desde o dia 8 de Junho hospitalizado no Hopital de Pretória a recuperar de uma grave infecção pulmonar / insuficiência respiratória, a quarta vez verificada desde o início do ano.

Michael Fieni